Sonho

Sonhei que me afundava nos braços da morte...

Não sei quanto tempo durou a quietude...

Mas sei que este foi o único sonho bom que tive até hoje,

Desde o dia em que soube que os sonhos tinham acabado...

domingo, 5 de dezembro de 2010

A propósito do texto de Aquilino...

Por entre as muitas recordações da minha infância, umas felizes outras nem tanto, estão ainda bem presentes as sensações vividas em contacto com os rituais da Igreja. O tocar do sino, bem cedo, a chamar para a missa, o frio e as conversas pelo caminho do Calvário, o cheiro a naftalina dos fatos domingueiros, o murmúrio das velhas que rezavam ininterruptamente durante a celebração, os cânticos mais ou menos afinados, os lugares marcados, homens à frente, mulheres atrás, os mais abastados nos seus postos e cadeiras privilegiados e, sobretudo, os enormes sermões dos dias de festa e dos domingos terceiros de tal forma que, qualquer coisa mais morosa e sensaborona, era apelidada de “pior que sermão e missa cantada”. Mas havia o lado risonho, os ramos do Domingo do mesmo nome, a visita pascal, as procissões, a “doutrina” e o pão com marmelada que o senhor vigário dava no fim, o Natal, o Presépio, os vestidos brancos das comunhões, as flores dos altares e dos andores, o cheiro dos sírios…e tantas, tantas outras coisas…A paz e a calma de uma oração dita na penumbra e no silêncio da Igreja vazia, subsiste ainda, passados que são já tantos anos…Prevalece, também, a ideia do medo, terror até, dos castigos, da ida para o Inferno, do que o senhor vigário poderia achar de uma saia mais curta nas raparigas ou do cabelo mais comprido nos rapazes, dos pensamentos maus (?) confessados a medo, do sentir o corpo a desabrochar na Primavera, de uma troca de olhares mais atrevida ao fim da missa…É que ficavam ao nosso alcance umas asinhas de anjos negros a caminho das labaredas do Inferno!
Pensava eu que tudo isto tinha passado com os anos, eram ilusões de uma infância vivida na pequenez de uma aldeia serrana sem grandes horizontes, onde dominava uma Igreja controladora da vida e dos actos dos homens, qual Big Brother pairando por entre as nuvens, espiando…As leis, as regras, a alegria e a tristeza, a dor, o bem e o mal, tudo era regulado pela Igreja. Parecia, até, que as flores desabrochavam conforme os cânticos da missa eram mais tristes ou mais alegres! E, se calhar, era mesmo assim…
Cresci cultivando a ideia de que Jesus é sereno e bom e que os homens são agitados e inconstantes e precisam dos ensinamentos e do amparo da Igreja. Aprendi que o bem e o mal coexistem e que nem sempre têm valores absolutos. O Homem é produto disso mesmo, de um emaranhado!
Entre os temores de uma Igreja tirana e o conforto de Jesus fui, assim, controlando o peso das imagens negativas e positivas trazidas pelo estudo da História do mundo e pelos actos dos homens quer sejam eles laicos ou religiosos. À ideia de uma Igreja economicamente poderosa, retrógrada, extremamente austera e incapaz de se abrir a horizontes de mudança, fui contrapondo, benevolamente, o empenho dos seus ministros, o alheamento dos bens terrenos, a defesa de grandes causas, a compreensão e o estímulo para uma vida sã de corpo e alma. Como terá dito alguém, “amar a Deus não significa que não se ame a Vida”.
Conforme os representantes da Igreja que vou ouvindo e lendo também estas convicções têm sofrido de altos e baixos como quando oiço dizer que os jovens se estão a afastar da Igreja porque não vão à missa em detrimento de coisas tão mundanas como praticar desporto. O entusiasmo por outras actividades colide, de facto, com algumas actividades da Igreja porque acontecem, ambas, sobretudo ao fim-de-semana. Mas isso não pode significar que os jovens são pecadores inveterados porque se dedicam a uma prática diabólica… porque é ridículo proibir, pôr medo, controlar através da ideia de que um Mefistófeles iracundo e cornudo, tresandando a enxofre, esteja à espera de quem tenha faltas à missa e à “doutrina”. E, no entanto, ainda há quem pense assim…Quando a Igreja e toda a sociedade, em uníssono, dizem que é necessário desviar os jovens de maus caminhos, da droga, de uma vida vazia, da falta de expectativas, da solidão, não podem essas pessoas compreender que o objectivo é o mesmo e que uma coisa não anula a outra? Apenas a Igreja sabe trabalhar para o bem dos jovens? Tudo o resto é falso, demoníaco até?
Será que, para essas pessoas, gostar da Natureza, dos bosques, da frescura das fontes é sinónimo de paganismo?
Então, se assim for, seremos todos nós, uns pequenos seres alados, caricaturas de anjos a esvoaçar a caminho do céu e do inferno, usando umas asas brancas ou negras consoante corramos uma corrida de obstáculos ou nos esfalfemos a caminho da Igreja? Ficar com umas asas definitivamente brancas que nos levarão ao Céu, pode ser tão simples como viver apenas para os rituais da Igreja e esquecer o resto da vida?
Sobre esta postura de alguns a mais não me atrevo a dizer… Escrever pelo simples prazer de escrever poderá significar que me deixo arrastar, batendo com medo umas enormes asas negras a caminho do Inferno…

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