Sonho

Sonhei que me afundava nos braços da morte...

Não sei quanto tempo durou a quietude...

Mas sei que este foi o único sonho bom que tive até hoje,

Desde o dia em que soube que os sonhos tinham acabado...

A Terra e a Alma




Lugares onde nascemos, vivemos, fomos felizes ou nem por isso e lugares onde gostaríamos de ir...um dia, talvez!



Aldeia...


Na aldeia onde nasci reinava o cinzento e o verde. Águas de nascente correndo por regatos e ribeiros não faltavam. O vento uivava por entre os salgueiros na borda do rio e, no Inverno, por entre o enorme loureiro do quintal. À noitinha, lembro-me de dar "Graças a Deus" ao som do vento e do granizo batendo nas telhas romanas da cozinha sem forro, negra do fumo da velha lareira onde, quando trovejava, se queimavam folhas do ramo benzido, pedindo, ao mesmo tempo, protecção a Santa Bárbara. Os lençóis eram de linho trabalhado em casa, aos serões, à luz da candeia e os colchões eram do colmo da palha do centeio da última ceifa. As mulheres usavam lenços pretos ou coloridos consoante a idade e não havia tractores, apenas se houvia duranre boa parte do dia uma enorme chiadeira dos carros de vacas que acarretavam o mato para a cama dos animais e a lenha para os dias mais frios. Os homens mais fortes tinham partido para Angola, para a França e muito antes a maior parte ficara no Brasil onde certamente constituiram uma nova família, esquecendo os que ficaram... o meu trisavô, no entanto, voltou carregando um enorme baú que um carro de vacas teve de ir buscar à estação do comboio. Que alegria! A minha avó esperava curiosa o tesouro brasileiro que ali vinha e que resolveria algumas privações porque passavam ultimamente...Espanto enorme quando, finalmente o baú se abriu: jornais e revistas brasileiras às carradas... Serviram para acender o lume. Que pena! Quem sabe quanto valeriam hoje?!





Dicionário Geográfico - Vol.VIII
Memória Paroquial de Cambra
Adaptada do original redigido pelo vigário Manuel Francisco em 1758

“… Há no distrito desta freguesia de S. Julião de Cambra, uma Serra que principia no sítio chamado da Penouta que desde as freguesias de Ventosa e Paços compreende a de Carvalhal de Vermilhas, anexa de Cambra e Fornelo do Monte, anexa de Ventosa, Silvares, anexa de Caparrosa, S. Tiago de Besteiros, o Guardão, Varzielas, Mosteirinho, anexas de S. João do Monte, … até à Serra chamada Caramulo. Tem de comprimento quatro léguas e de largura duas. Principia na Penouta e acaba no Caramulo…
- Os nomes principais com que se apelida esta Serra se chama as “meninas da Penouta”, para a parte do nascente se chama a Serra de São Domingos de Vasconha, de cujo sítio se avista a cidade principal de Viseu e todo o âmbito que dali se compreende e várias freguesias como são a Vila de Sta. Eulália do Couto de Baixo, Couto de Cima, Torre Direita, Vila de Souto, S. Cipriano e Queirã e as mais vizinhas e para a parte de Cambra se compreende Reigosa, Campia.
- Os rios que nesta serra nascem, no sítio desta freguesia são: o Rio Fervença, donde se avista a Igreja e os lugares anexos a ela. A este se ajuntam os regatos que corre da Corujeira e Santa Comba, Caveirós de Baixo, Rio do Val da Cal que vem de Vermilhas, Carvalhal e Couto e o de Levides. Estes são os braços com que se aumenta e fertiliza este rio sobredito da Fervença.
- Os lugares que estão situados nesta Serra e seus confins são os seguintes: Joana Martins, Covelinho, Adsamo, da freguesia de Ventosa, Covas, Fornelo anexa de Ventosa, Souto Bom, freguesia de Caparrosa, Silvares, Carvalhal da Mulher, anexa de Caparrosa, São Tiago, Guardão, Paredes, Carvalhinho e freguesia de Guardão de Cima, freguesia de Mosteirinho, ao Caramulo.Para a parte de Cambra persistem os lugares: Confulcos, Tourelhe, Corujeira, Santa Comba, Mogueirães, Levides, Paredes, e pelo meio da serra os lugares de Vermilhas, Carvalhal, Couto, Abelheira, Nogueira, Outeiro, Sanfins, Espinho, Alcofra, Varzielas, a Bezerreira e não temos que dizer em matéria de Vilas.
- É esta Serra povoada de plantas e ervas silvestres sem nome, de ervas de notável especialidade e de cultivo em algumas partes dos géneros de frutos seguintes: centeio, milho grosso e miúdo de que é mais abundante, pouco trigo, feijões e vinho de árvores sem haver vinhas…

- Nos confins desta serra não  há convento algum, só sim algumas imagens de especial devoção onde concorrem os fiéis com suas deprecações para os despachos das suas necessidades, como são Santa Combinha que é visitada dos fiéis em todo o decurso do ano, especialmente no dia de S. Silvestre, Páscoa da Ressurreição e Páscoa do Espírito Santo, Santo António no lugar de Mogueirães que também é visitado em vários dias do ano especialmente em seu dia.

- É uma serra brava de temperamento frigidíssimo e onde a neve persiste alguns tempos do ano no Inverno, por cuja causa costuma haver mortandades de gados miúdos e que no tempo de verão é deliciosa.

- Cria-se em toda esta serra os gados seguintes: bois, vacas, ovelhas, cabras, vitelas, porcos, galinhas, e em alguns sítios desta serra se criam excelentes touros que servem de divertimento aos ociosos e os conduzem para diversas festividades, também se criam excelentes coelhos, saborosas perdizes, galinholas, codornizes, algumas lebres, vorazes lobos, preciosos javalis, industriosas raposas, tourões e ginetas que são a justiça das galinhas.

- O que temos que dizer  do rio desta Serra é o seguinte:
- Chama-se Rio Fervença, porque corre por um despinhadeiro de montes e penedos.
- Nasce logo caudaloso e corre todo o ano.
- Entram nele. como temos dito, os regatos que vão da Corujeira e Santa Comba e um que vem de Caveirós e o Rio do Val da Cal que vem do Carvalhal e Vermilhas e outro que vem de Levides, não muito longe do seu nascimento.
...- Corre de curso arrebatado no seu nascimento,  e entra em huma planície onde corre manso e quieto em todo o seu curso.
- Corre de nascente ao poente até que se mete no mar.
- Criam-se neste rio os peixes seguintes como são excelentes barbos, mimosas trutas, gordas bogas, bons bordalos e saborosas enguias e o mais peixe miúdo que certamente faz a terra mimosa e serve de recreio aos seus habitadores, e a maior abundância é de trutas por serem as águas frigidíssimas.
- Há neste rio pescarias em todo o ano excepto nos meses proibidos.
- É livre este rio para pescar nele quem quiser por não haver nele couto ou privilégio algum.
- Está este rio sitiado e suas margens de arvoredos como são: ameeiros, salgueiros. carvalhos, macieiras, pereiras, ameixieiras e outros mais géneros de frutos que produz a dita terra e todas estas árvores andam enlaçadas com videiras de que se recolhe, excelente vinho amaral que serve de refresco no tempo de Verão aos habitadores deste país.
...- Sempre este rio conservou e conserva o mesmo nome de Fervença e no seu curso em algumas partes tem diverso nome como são logo assim que desce da Fervença, se chama o rio de Cambra, e mais abaixo de Pés de Pontes e mais abaixo da portavarzia e mais distante de Destriz e dali desce a chamar-se o Alfusqueiro, corre a Águeda, e em Almiar se mete no rio Vouga ali perde o seu nome, e dali correm para o mar. 
...- Tem este rio muitas levadas e prezas e açudes de que se valem os habitadores deste sítio para limarem, regarem e fortalecerem os seus campos com a qual água se criam os mantimentos que deixamos descritos e, por isso impede o ser navegável.
- Tem este rio no sítio desta freguesia três pontes de pau e necessita muito das de pedra porquanto desta falta se experimentam muitos infortúnios assim nos nacionais como nos passageiros, pois têm sucedido muitas mortes causadas desta falta, que além disto ser irremediável a perda que experimentam os fregueses no tempo do inverno por se não poder assistir com os Santos Sacramentos. São estas pontes no sítio de Confulcos, Cambra da Igreja e Pés-de-Pontes, fora da Igreja e da freguesia. E há as pontes seguintes de pedra a de Portavarzia, Alfusqueiro, Águeda e Almiar até se recolher no mar.
- Tem este rio muitos moinhos aonde se mói o pão de broa com que se criam e vivem estes habitadores, e um pisão e não consta tenha outro engenho.
...- Usam os habitadores deste rio livremente das suas águas para a cultura dos seus campos, sem foro nem pensão alguma. Tem este rio do seu nascente ao mar dez léguas de comprido e as povoações por onde passa nesta freguesia são: Confulcos, Tourelhe, Cambra da Igreja, Cambra de Baixo, Levides, Pés-de-Pontes, Paredes Velhas e fora da freguesia Fiais, Cambarinho, Cercosa, Carregal, Destriz, A dos Ferreiros, Gesteira, e Vila de Águeda.

- Descreve-se o que pertence a esta Igreja.
- Fica na província da Beira, pertence ao Bispado de Viseu e Comarca, Concelho de Lafões.
- É da apresentação de Sua Magestade que Deus guarde da comenda do Exmo. Conde de Assumar e seus sucessores.
- Tem esta freguesia 272 vizinhos, pessoas tem 1139.
- Está situada em uma planície de um vale, nos confins de um monte, descobrem-se desta planície, somente as povoações de Tourelhe, Corujeira, Sta. Comba, Cambra de Baixo que distam da Igreja meio quarto de légua.
- É do concelho de Lafões, comarca de Viseu. Tem seu Juíz de Fora na vila de Vouzela onde há Casa de audiência, cadeia, Misericórdia, Senado a quem os habitadores deste país vivem sujeitos.
- Esta igreja colocada no lugar que se chama Cambra da Igreja, dentro dele. Tem esta freguesia os lugares seguintes: Cambra da Igreja, Caveirós de Cima e de Baixo, Confulcos, Tourelhe, Corujeira, Santa Comba, Mogueirães, Cambra de Baixo, Levides, Pés-de-Pontes e Paredes Velhas.
É o orago desta Igreja o Sr. São Julião, tem cinco altares a saber do mesmo Santo, Altar mor, o de S. Sebastião, o de Nossa Senhora do Rosário, o das Almas Benditas, o do Menino Jesus. Tem duas irmandades: a do Menino Jesus e a das Almas.
É o pároco da dita igreja vigário da Apresentação de Sua Magestade que Deus guarde tem de renda 40 mil réis e setenta alqueires de pão de broa.
... Tem esta freguesia 6 ermidas que vêem a ser: Nossa Senhora da Assunção cita fora do lugar de Caveirós de Cima ermida muito antiga por se dizer que algum tempo fora Paróquia tem missa todos os Sábados do ano cuja obrigação pertence ao pároco da Igreja. Santa Combinha, imagem muito milagrosa. Santo António de Mogueirães situada a sua ermida dentro do lugar. S. Salvador de Paredes também dentro do lugar. Santo António de Pés-de-Pontes cuja ermida está fora da jurisdição do Pároco, por estar metida nas casas que hoje são do Capitão Luís António Pinto de Azevedo. O Divino Espírito Santo situado fora do lugar de Cambra de Baixo cuja ermida é administrada pelos fidalgos da Trofa, da jurisdição do pároco.
São frequentadas estas devotíssimas imagens em todo o ano por nelas alcançarem os seus devotos despacho nas suas deprecações e com muita especialidade a Sra. Santa Combinha dentro do lugar de Santa Comba e de maior concurso no último dia de Dezembro, Páscoa da Ressurreição e Pentecostes e a Sra. de Caveirós também no decurso do ano e no dia da sua festividade a quinze de Agosto e as mais nos dias das suas festividades.

- Os frutos que os moradores destas terras recolhem em maior abundância é centeio, milho grosso e miúdo, vinho, algum pouco trigo, feijões, melancias, abóboras e bolotas.
- Já descrevemos que estão estes países subordinados ao Juíz de Fora da Vila de Vouzela e à sua Câmara e não a outras justiças.
- No tempo presente não há neste país Couto, nem Cabeça de Concelho.

- Há nesta freguesia junto do lugar de Cambra de Baixo uma torre muito antiquíssima e muito alta, que não há notícia do seu fundamento junto da ermida do Espírito Santo que perguntada alguma notícia dos habitadores que no dito sítio havia um palácio, casas nobres e que o tal sítio era couto e azilo dos que eram perseguidos para militares e criminosos, aonde se recolhiam e viviam com o seguro da sua liberdade e junto à dita torre está um carvalho também antiquíssimo e por tradição nos forais antigos que dizem os foreiros, caseiros da dita casa quererem tanto ao carvalho do paço do que se presume que neste sítio existiu algum tempo alguma pessoa real ou sua familiar e perguntadas algumas pessoas antigas dizem que ouviram dizer a seus pais e avós que em certo tempo que Castela governou Portugal e vindo uns soldados de Castela para prender o dito Senhor do Castelo não poderam conseguir por este estar acompanhado com grande comitiva de gente e os castelhanos se retiraram descontentes. Tem esta casa muitos foros e rendimentos nesta freguesia especialmente naquele sítio, de que se infere que era poderoso em armas... Não se puderam examinar cabal notícia, conhecimento dos livros da Igreja porquanto se queimou o Cartorio e só sim se alcançou de algumas pessoas antigas pertencem as pensões e foros pertencentes a esta casa no tempo presente à Casa da Trofa que há muitos anos está na posse deles.

- Somente nesta freguesia há as feiras seguintes: Dia de S. Silvestre, último de Dezembro junto à Ermida de Sta. Combinha no lugar de Sta. Comba e a segunda a do Espírito Santo junto à sua Ermida em Cambra de Baixo, nos tais dias, por ocasião dos devotos virem à sua romagem cumprir seus votos e acharem nos ditos sítios coisas comestíveis e tendas donde muitos compram para refazerem as suas casas. Duram meio-dia.

- Não tem esta freguesia Correio, se serve do Correio da Cidade de Viseu que dista desta Igreja quatro léguas para a parte do nascente. Chega na 6ª feira à noite e parte no domingo pela meia-noite.

- Já dissemos que dista esta freguesia à Capital do Bispado quatro léguas e a Lisboa, capital do Reino 48 léguas.
 
...- Houve no lugar de Caveirós de Baixo uma torre cujo sítio se chama ainda hoje sítio da Torre em cujo sítio há fazendas foreiras, casas que pagam os foros à Casa da Cavalaria da Vila de Vouzela distante deste sítio uma légua. Esta se acha disrupta e com poucos vestígios do seu fundamento, porém há algumas pessoas que se lembram da sua permanência, que não de Senhor certo, porém infere-se ser esta torre pertencente à dita casa assim por conta dos foros e pensões que a ela se pagam, como também por esta mesma casa ter outra torre no lugar de Vilharigues, Freguesia de Paços, e ser administradora e Senhora privativa da Capela de Santo Amaro sita no mesmo sítio, como também serem senhores de todo o distrito que vai da torre até à Vila de Vouzela que distará um quarto de légua. Esta torre de Caveirós sendo disrupta e arruinada e a do Espírito Santo que já falamos... se acha alguma coisa arruinada com a inclemência dos tempos. Não se acha nesta freguesia no tempo presente couto, nem privilegiados, somente há dois capitães de ordenança, Luís António Pinto de Azevedo do lugar de Cambra da Igreja, ....Alvares do lugar da Corujeira, ricos e abonados que vivem sem previlégio especial.
- Não  ficaram no distrito desta freguesia ruínas algumas no terremoto de 1755."
 



Aqui, onde o céu é mais azul...




Cambra

Descendo pela verdejante encosta noroeste da Serra do Caramulo, a 8 Km da sede do concelho (Vouzela) e a 30 Km da sede do distrito (Viseu) encontramos a freguesia de Cambra que se espalha pelos treze lugares que a constituem: Cambra de Baixo, Caveirós de Baixo, Caveirós de Cima, Chã, Confulcos, Corujeira, Igreja, Levides, Mogueirães, Paredes Velhas, Pés-de-Pontes, Sta. Comba e Tourelhe.

Precisamente num dos limites mais serranos desta freguesia nasce o rio que, em tempos remotos, lhe deu o nome. De facto, nas Malhadas de Cambarinho, nasce o rio Alfusqueiro que outrora se chamou Cambar. Este curso de água, atravessa toda a freguesia e, juntando-se ao rio Couto ( Val da Cal) em Cambra de Baixo, dá origem a belas zonas ribeirinhas semeadas de poldras e moinhos abandonados que moíam o grão produzido nas terras férteis irrigadas por uma rede de açudes e levadas. Famoso pelas suas trutas que subiam a corrente em busca das águas cristalinas e oxigenadas da Fervença é, nos seus limites, que se encontram os aspectos arquitectónicos e paisagísticos mais característicos desta terra.

O nome Cambra provém, segundo alguns autores, do nome pré-românico Cambar, nome do rio que aparece em documentos datados dos séculos XI e XII. Segundo Mário Loureiro “… há quem veja, porém, no topónimo o nome próprio latino Câmaro, o primitivo dono do casal (villa camari)”. Nas Inquirições Afonsinas de 1258, Cambra e o seu actual território, pertenciam, na sua quase totalidade a cavaleiros. A velha torre medieval, no lugar do Espírito Santo em Cambra de Baixo parece atestar essa pertença. Desta torre, construída nos finais da Idade Média, a “Memória Paroquial” (3) da freguesia de Cambra traz, até nós, o seguinte testemunho: “Há nesta freguesia junto do lugar de Cambra de Baixo, uma torre muito antiquíssima e muito alta que não há notícia do seu fundamento junto da Ermida do Espírito Santo”. Refere o mesmo documento que “…no dito sítio havia um palácio e casas nobres e que o tal sítio era couto e asilo dos que eram para militares e criminosos, aonde se recolhiam e viviam com o seguro da sua liberdade.” Conta, ainda, esta memória que se presume que “… neste sítio existiu alguma pessoa Real ou sua familiar, e perguntadas algumas pessoas antigas dizem que ouviram dizer a seus pais e avós que em certo tempo que Castela governou Portugal e vindo uns soldados de Castela para prender o dito senhor do castelo não puderam conseguir por este estar acompanhado com grande comitiva de gente e os castelhanos se retiraram descontentes.” Sobre a origem e senhores desta torre o vigário da paróquia e autor da memória acrescenta que não possui outros dados “…porquanto se queimou o cartório” só tendo o testemunho de pessoas antigas que referem que as pensões e foros pertencentes a esta casa há muito tempo estão na posse da Casa da Trofa.

Esta torre foi recentemente escavada pelo arqueólogo Jorge Adolfo Marques, tendo sido encontrados inúmeros fragmentos de cerâmica doméstica oriundos de recipientes produzidos localmente ou trazidos por almocreves de outras localidades.
O autor da memória paroquial que referimos, assinala a existência de uma segunda torre localizada no sítio da Torre em Caveirós de Baixo onde “…há fazendas foreiras, casas que pagam os foros à Casa da Cavalaria da vila de Vouzela… Esta (torre) se acha disrupta e com poucos vestígios do seu fundamento, porém há algumas pessoas que se lembram da sua permanência ainda que não de senhor certo…”

Perto da Torre do Espírito Santo, nas margens do rio Couto, existe uma gruta que é conhecida por Cova do Lobisomem e à qual Amorim Girão atribui ocupação humana dos tempos do Paleolítico. Joaquim Baptista, médico de Lafões, refere-se a esta gruta como podendo ser cava subterrânea de alguma fortaleza ali existente e aponta, ainda, a hipótese de a mesma ser mina de ouro explorada por fenícios, cartagineses ou romanos.

Segundo Amorim Girão “num cabeço sobranceiro à Cova do Lobisomem” , no Picoto, entre Cambra de Baixo e Mogueirães, localizar-se-ia um castro pré-histórico a que chama “Forno dos Mouros”.

Sem podermos tirar conclusões exactas verificamos, pelo que atrás fica exposto, ser muito remota a ocupação humana deste território. A arquitectura das casas de habitação mais antigas é testemunho de uma forma de vida assente na agricultura e na pecuária tradicionais e que só recentemente foi alterada pela mecanização e produção intensiva. Não muito longe vai o tempo em que os carros de vacas trilhavam as calçadas das povoações chiando, carregados de mato, para os currais dos animais que, depois de curtido, era levado para os campos onde ajudava ao crescimento do milho, feijão, centeio e batatas que eram as principais culturas para além dos pastos para o gado bovino, caprino, ovino e suíno. No início do Outono esses carros eram carregados com as dornas que serviam para transportar as uvas vindimadas nas latadas e cordões de videiras que emolduravam os campos. No lagar, à noite, por entre anedotas e cantigas, os homens pisavam-nas e faziam um vinho que, não sendo de grande qualidade, era verde e bastante apreciado, sobretudo no Verão. Por essa altura faziam-se também as desfolhadas, pontos de encontro de quase toda a população da aldeia que, juntando o útil ao agradável, trabalhavam, divertindo-se “descamisando” as espigas douradas das quais se alimentavam os animais e os homens pelo Inverno fora. Em Julho tinham sido as ceifas e as malhas do centeio onde todos se ajudavam mutuamente. Todos estes trabalhos se continuam a fazer. Tem vindo a desaparecer, no entanto, a componente lúdica e de entre-ajuda que os caracterizava. Associado a este desaparecimento, desapareceram também as ferramentas tradicionais e as profissões que lhes davam origem. Subsistem ainda, no entanto, alguns artesãos que os produzem e vendem a quem tem o gosto de preservar os testemunhos de um tipo de vida que vai caindo no esquecimento. Exemplos disso são os cesteiros, carpinteiros e ferreiros que em Cambra ainda se dedicam a estes ofícios.

Também o vestuário se alterou. A cultura do linho, ainda há pouco essencial para a produção de tecidos, desapareceu, sendo substituída pela compra fácil do pronto-a-vestir e a usar. No entanto, o encanto e a riqueza etnográfica dos trabalhos associados à sua produção têm motivado uma ténue preservação destes costumes por quem tem o gosto de manter viva a tradição. Da mesma forma, a lã utilizada na produção de cobertores e de burel destinado à confecção das tradicionais capuchas, das calças, casacos, coletes e saias tem vindo a desaparecer. É com estas fibras produzidas industrialmente que alfaiates e tecedeiras continuam a trabalhar produzindo, para além daquele vestuário, colchas, tapetes, mantas e toalhas que se destinam exclusivamente à decoração.

Para além das capuchas, capa característica das serras que nos rodeiam e que continuam a ser utilizadas para proteger do vento e da chuva, faziam-se também os capuzes e as capas ou croças de junco, usadas pelos pastores nas suas andanças com o gado pelas pastagens serranas, nos dias mais chuvosos. Este tipo de capas, embora não sendo usadas nos nossos dias, são ainda feitas em Cambra, sendo muito procuradas. Para além destes ofícios e trabalhos, cabe ainda referir a arte da escultura em madeira com bastantes tradições nesta terra, nomeadamente ao nível das miniaturas.

Estes artesãos têm vindo a ser muito solicitados para participarem em feiras e mostras de artesanato, as quais, actualmente, constituem a melhor forma de divulgação dos seus produtos. Longe vai já o tempo em que os bens essenciais eram vendidos e trocados nas feiras e arraiais que, tal como as romarias e festas religiosas, eram locais de encontro, negócios, lazer e divertimento para as populações.

Ainda há poucos anos se realizava a Feira das Cabras em Cambra. Com o seu desaparecimento terminaram estas formas de convívio e negócio. Recorrendo, mais uma vez, à memória paroquial da freguesia, podemos verificar que, no século XVIII, se realizavam as seguintes feiras: “…dia de S. Silvestre, último de Dezembro, junto à ermida de Sta. Combinha no lugar de Sta. Comba” e, uma segunda, junto ao Espírito Santo em Cambra de Baixo, nos dias de S. Silvestre, Páscoa da Ressurreição e Páscoa do Espírito Santo “por ocasião dos devotos virem…cumprir os seus votos e achar nos ditos sítios coisas comestíveis com abundância e tendas donde muitos compram para refazerem as suas casas. Dura meio-dia.”

A romaria da Santa Combinha e o arraial do Espírito Santo realizavam-se no mesmo dia (sétimo domingo depois da Páscoa) tendo depois sido separadas. Os romeiros que nelas participavam, cantavam, à ida e no regresso, a tradicional “Sta. Combinha”, cantiga de romaria que proporcionava algum despique e muita animação entre os vários grupos de romeiros.

Para além destas festas religiosas comemoram-se outras por toda a freguesia, nomeadamente: Sto António em Mogueirães, Sta. Luzia em Tourelhe, S. Salvador em Paredes Velhas e Sto. Antão em Caveirós de Cima.

A festa religiosa que congrega toda a freguesia e que se realiza na Igreja Paroquial, nos finais de Agosto é dedicada ao Sagrado Coração de Maria e, no início de Janeiro, é festejado o dia de S. Julião, o padroeiro da paróquia.

A vida religiosa tem uma extrema importância para a vida das populações, reflectindo-se, inclusive, nos trabalhos do dia-a-dia. Ao longo do ano, a população invoca os vários santos protectores para que a vida lhes corra bem: no dia da Sra. das Candeias benzem-se os campos, pela Sta. Bárbara pede-se protecção contra as trovoadas, a Sta. Combinha pede-se que desapareçam os cravos e as verrugas e a Sto. Antão agradece-se a cura das maleitas dos animais.

Devido a esta grande religiosidade estão os vários lugares da freguesia providos de capelas, algumas bem antigas, como a de Sto. Antão, em Caveirós de Cima que, segundo a tradição, foi em tempos remotos, a Igreja Paroquial. Em 1779 foi construído um belo templo de duas torres, com frontaria revestida de azulejos azuis, tendo no seu interior um belo conjunto de altares em talha dourada que emolduram belas e valiosas imagens como a da Sra. do Rosário e, o tecto dividido em caixotões pintados, retratando algumas das mais ilustres figuras da Igreja. É considerada monumento de interesse público pelo Decreto-Lei nº 34/452, art.2º de 20/03/1945 e, embora tenha sido alvo de uma intervenção a nível do telhado, necessita de um profundo restauro, nomeadamente no seu rico interior.

Para além das capelas e da Igreja Paroquial, existem na freguesia duas casas que se destacam pela sua imponência e beleza arquitectónica, estando providas das respectivas capelas particulares. São elas o Solar da Corujeira, quase em ruínas, datado do século XVIII e a Casa do Prazias na Igreja de Cambra, com capela dedicada a S. João, do mesmo século, recentemente restaurada.

Para além destas, muitas outras casas de lavradores abastados embelezam as nossas aldeias com a tonalidade do granito velho, com os seus beirais de telha portuguesa, as suas varandas corridas e soalheiras, sobranceiras às quinteiras e eiras onde, ainda imponentes, se erguem os velhos canastros.

A água dos rios, ribeiros, regatos e fontes contribui decisivamente para a verdejante paisagem e o seu brilho cristalino convida a um passeio pela frescura das veredas. Aqui e além, monumentos religiosos de cariz popular, convidam à reflexão: são as alminhas que ainda há pouco tempo eram cerca de setenta (ultimamente têm sido roubadas muitas delas). Umas mais imponentes do que outras todas emolduram os velhos caminhos e assinalam os locais de oração e/ou marcam os locais onde a morte surgiu sem ser esperada.

Construindo o seu futuro nos alicerces seguros e ricos do seu passado, Cambra apresenta-se, hoje, como uma freguesia dinâmica quer economicamente quer culturalmente. Os seus filhos que, cada vez mais, encontram razões para aqui continuarem a construir as suas vidas dedicam-se, na sua maioria, a trabalhos que vão da agricultura à indústria, passando pela pecuária (nomeadamente a avicultura), construção civil, carpintaria, produção florestal, comércio e restauração. Para os tempos de lazer são variadas as actividades culturais e recreativas que acontecem ao longo do ano e existem espaços que proporcionam um são convívio e divertimento. Um exemplo disso é a zona envolvente da Torre Medieval que foi alvo de arranjo, estando dotada de parque infantil, praia fluvial, zona de merendas e churrasqueiras e onde de dois em dois anos se realiza uma recreação de um Mercado Medieval. Dos miradouros da Santa Luzia e do Santo Antão a vista é majestosa e, por tudo isto, Cambra merece uma visita demorada…profunda! 

 


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