Sonho

Sonhei que me afundava nos braços da morte...

Não sei quanto tempo durou a quietude...

Mas sei que este foi o único sonho bom que tive até hoje,

Desde o dia em que soube que os sonhos tinham acabado...

Enigmas...




ORA MARÍTIMA

Adaptação da versão do Dr. José Rios y Serra


A ter em atenção:

Em letra normal lê-se “o Périplo” do século VI a.C. de autor desconhecido.

Em letra pequena lêem-se as anotações de Éforo, autor grego do século IV a. C., muito anterior a Avieno.

Em letra cursiva podem ler-se as anotações de autor grego desconhecido e de Rufo Festo Avieno.

Em letra pequena cursiva a negrito lê-se uma tradução livre do texto em latim.


Alguns esclarecimentos

A primeira fonte do Périplo será de origem grega (Massália), enquanto outros apontam para a fonte fenícia, embora não sejam feitas referências a cidades fenícias/púnicas.
O principal problema relacionado com esta obra prende-se com a localização dos lugares nela descritos.
Avieno introduz, de sua lavra, a descrição de Marselha (desconfia-se que ele não conhecia a costa que descreve).
A versão mais realista deste texto pertence a Adolf Schulten.
A Ora Marítima era composta por vários volumes de que só resta o I (descreve-nos a costa de Tartessos e Massália). Inclui um anexo que descreve as Cassitérides (ilhas de estanho e chumbo).
Onde começaria o Périplo? Existem três teorias:
1-     A teoria Atlântica (Müllenhoff, Schulten…) na Bretanha francesa;
2-     A teoria Galega (J.Jáurequi);
3-     A teoria Subportuguesa (Blásquez e Watember).



“Recordando que com alma e vida, frequentemente pedias, Probo,
 que a situação do mar Táurico pudesse ser conhecida
 com provável certeza também por aqueles que estão dele separados
 nas regiões mais afastadas da terra,
 com vontade empreendi este trabalho
 para que pudesses satisfazer o teu desejo com este poema.
Pensei, pois, que não me era lícito, tendo tempo de sobra,
deixar de presentear o teu entendimento com a imagem daquela região,
que tinha aprendido em vetustas páginas
e na mais solitária leitura durante todos os dias da minha vida.
Já que negar ao outro o que a nós mesmos pouco custa
E típico de um ser ignorante e rude.
A isto se junta o facto de ocupares para mim o lugar de um filho
pelo carinho e pelos laços de sangue.
Mas isto não será bastante se eu não soubesse que sempre bebeste com avidez
as coisas mais recônditas nos escritos dos antigos,que és de coração aberto,
capaz de compreender,existindo no teu espírito uma forte sede disso
e que recordas mais que outros aquilo que te é dito.
Porque inutilmente haveria de derramar
o segredo das coisas em quem não os retivesse?
Quem ensurdeceria com profundo saber os ouvidos
de quem fosse incapaz de o seguir?
Muitas coisas, portanto, muitas coisas me obrigam, Probo,
a satisfazer por completo os teus veementes pedidos
e até creio que cumpriria com os deveres de parentesco
se a minha Musa te outorgasse o desejado
ainda em maior abundância e extensão,
já que dar o que é pedido é próprio de um homem liberal,
porém alimentar com coisas novas a vontade
é já próprio de um espírito bondoso e nobre.

Perguntaste-me, se te recordas, qual é a situação do Mar Meótico.
Já sei que Salustio fez a sua descrição e não desconheço que ao que ele disse
se pode atribuir autoridade indiscutível; contudo, à sua célebre descrição,
na qual, o hábil estilista, deu a forma e a imagem dos lugares
quase sempre com realismo e com linguagem elegante,
adicionei muitas coisas retiradas dos comentários de numerosos autores.
Aqui, assim, se falará de Hecateo de Mileto
e a Helanico de Lesbos, também de Fileo de Atenas, Escílax de Carianda,
depois de Pausimaco, ele que foi formado pela antiga Samos, e também Damasto,
nascido da nobre Sige, e Bacoris vindo de Rodes, assim como de Euctemón,
o da conhecida cidade de Ática, do siciliano Cleonte, também do turio Heródoto,
e aquele que constitui a grande glória da arte de dizer,o ateniense Tucídides.
Aqui, assim, Probo, parte do meu coração,encontrarás quantas ilhas se levantam do mar,
(isto é, daquele mar que aumenta o nosso mar depois do lugar em que a terra se abre desde o estreito Tartésio às ondas do Atlântico até regiões longínquas),
os curvos golfos e os cabos (como a costa se estende retrocedendo,
como os cabos penetram profundamente as ondas),
como as altas cidades são banhadas pela água,
de que fontes nascem os grandes rios,
como pressurosos os rios desembocam no mar,
de que forma eles mesmos na sua vez cercam ilhas
e como os portos escancaram amplamente os seus braços protectores,
como se estendem as marismas, como se formam os lagos,
como os altos montes levantam a escarpada falésia
e como a onda do branco abismo banha os bosques.
A finalidade do nosso trabalho será a explicação do profundo escítico,
da grandeza do mar Euxino e das ilhas que se levantam naquele mar,
pois isso foi extensamente descrito por nós naquele livro
que compusemos sobre as costas e partes do Globo.
E, para que te seja patente a demonstração do meu afã e trabalho
começarei a narração do opúsculo um pouco mais acima.
Guarda no fundo do teu coração as coisas narradas,
pois baseiam-se em testemunhos trazidos de longe e retirados dos autores.

O círculo da ampla terra estende-se e ao seu redor correm as ondas.
Mas ali onde o mar profundo entra no Oceano,
de modo que se abre amplamente o abismo do nosso mar,
se encontra o golfo Atlântico.
Aqui está a cidade de Gadir, chamada antes de Tartessos,
aqui estão as Colunas do tenaz Hércules,
Abila e Calpe, à esquerda das ditas terras, Abila próxima da Líbia.
Ressoam com estrépito açoitadas pelo duro setentrião,
mas mantêm-se firmes no seu lugar.
E aqui levanta-se a cabeça de um cabo proeminente (a antiguidade chamou-o Oestrímnida),
encontrando-se o elevado cimo da rochosa falésia
completamente voltada para o tíbio meio-dia.
Por baixo do vértice de tal proeminência abre-se o golfo,
chamado Oestrímnico pelos indígenas
no qual sobressaem as ilhas Oestrímnidas,
separadas e sendo ricas em metal de estanho e chumbo.
Aqui há um povo forte, orgulhoso, de grande habilidade,
dominado pela paixão pelo comércio; com barcas de peles cozidas
sulcam valentes o mar revolto e o Oceano cheio de monstros;
eles não souberam construir as suas embarcações com madeira de pinho
nem de cedro, nem com o abeto, viravam as barcas como de costume, sendo que,
coisa digna de admiração, sempre construíram as embarcações com peles unidas,
regressando com frequência sobre o couro ao vasto mar.
Daqui até à Ilha Sagrada – assim foi chamada pelos antigos
há uma distância de dois dias para uma embarcação.
Aqui entre as ondas encontra-se muita terra
e habitam-na em grande extensão a tribo dos Hiernos.
Logo, próxima,  se estende a ilha dos Albiones.
E era costume entre os tartésios fazer trocas comerciais nos confins das Oestrímnidas.
Também os colonos cartagineses e o povo que vivia entre as colunas de Hércules
frequentavam estas águas que, afirma o Cartaginês Himilcón,
apenas podem regressar em quatro meses,
como o mesmo assegura que comprovou navegando.
Aqui nenhum vento empurra a embarcação com força,
aqui a água espessa do mar está preguiçosamente quieta
e muitas vezes as algas param o barco;
diz também que aqui no mar não tem grande profundidade
e que apenas o fundo está coberto por água escassa.
Muitas vezes aparecem aqui e ali feras do mar
e os monstros nadam em redor dos navios
que se arrastam lenta e languidamente.
E se alguém se atreve a sair das ilhas Oestrímnicas
e dirige a embarcação para as ondas, onde o ar gela pelo eixo de Licaón,
chega à terra dos Lígures vazia de habitantes já que foram evacuados há muito
por obra dos Celtas e das guerras frequentes, vindo os expulsos Lígures,
como sucede com frequência aos homens por obra do Destino,
para esta terra onde agora habitam quase sempre entre males terríveis.
Neste lugar são muitos os precipícios e penhas duras 
tal como o cimo dos montes toca o céu.
E assim foi como esta tribo fugitiva viveu muito tempo
entre as fendas das rochas afastada das ondas,
pois o mar era temido por causa dos perigos passados;
mas depois a tranquilidade e o repouso fortalecendo a audácia com a segurança,
fê-los decidir a abandonar os altos refúgios e a descer às paragens marítimas.
Depois daquilo, de que falámos mais acima (da Oestrymnida)
descobre-se um grande golfo de extenso mar até Ofiusa.
Logo, desde essa costa até ao mar interior,
que se introduz na terra, como antes disse,
e ao que se chama Sardo,
se estende para o viajante um caminho de sete dias.
Ofiusa ostenta tanta grandeza como, se ouve dizer,
a Ilha de Pelops, no território dos Gregos.
Chamada primeiro Oestrímnida porque
habitavam os seus lugares e campos os Oestrímnios.
Logo, uma praga de serpentes afugentou os habitantes
e privou do próprio nome as terras abandonadas.
Depois o cabo de Vénus avança sobre o abismo
e o mar ruge em volta de duas ilhas
inabitadas devido à sua pequenez.
De seguida o cabo Aruio dirige-se para o áspero setentrião.
Desde aqui até às Colunas do atrevido Hércules
a viagem de uma embarcação é de cinco dias.
Depois há uma ilha marítima abundante em ervas
e consagrada a Saturno, mas nela é tamanha a força da natureza que,
se alguém se aproxima navegando,
logo se revolta o mar próximo da ilha,
a própria se comove e todo o mar se levanta estremecido ao alto,
enquanto o resto do mar largo está silencioso, como um tanque.
Depois o cabo de Ofiusa surge do nada
e do cabo Arvii a estes lugares há uma viagem de dois dias.
O golfo que dali se abre, retrocede numa grande extensão,
não sendo todo ele facilmente navegável com um só vento,
visto que chegarias até meio impulsionado pelo Zéfiro,
mas o resto exige o Noto.
E, se alguém dali se dirige a pé ao litoral dos Tartésios,
dificilmente acabará o caminho em quatro dias,
enquanto que (de Tartessos) se alguém tenta
a rota de encontro ao nosso mar e ao porto de Malacaeque,
o caminho é de cinco dias.
Depois ergue-se o cabo Cémpsico,
abaixo há uma ilha chamada Acala pelos seu habitantes.
Díficil de acreditar devido às lendas, mas confirmado por testemunhos frequentes:
diz-se que nos confins desta ilha as águas nunca têm
o mesmo aspecto do resto do mar,
porque em todo o lado há um esplendor parecido ao brilho do vidro
dentro das ondas, certo é que, através da profundidade do mar,
aparece nas ondas uma imagem marmoreada, ali, como recordam os antigos,
o mar é atolado por um sujo lodo, como se fosse um pântano.
Os Cempsos e os Sefes têm altas colinas no campo de Ofiusa; Perto destes
o ágil Ligure e a prole dos Draganos colocaram os seus lares virados ao gélido setentrião.
Também há a ilha Poetanion ao lado dos Sefes e um amplo porto.
Depois os povos dos Cinetas fazem fronteira com os Cempsos.
De seguida o cabo Cinético, por onde declina a luz sideral,
levantando-se orgulhoso, como o fim da rica Europa,
volta-se para as salgadas águas do Oceano cheio de monstros.
 [O rio Ana corre ali entre …os Cinetas e sulca os seus vales.
Abre-se novamente um golfo e o território estende-se curvando para o meio-dia.
Deste rio derivam de repente dois ramais e o seu caudal,
como que em lenta formação, afasta as águas espessas do golfo
(aqui as profundezas são de puro e denso lodo).
Aqui levanta-se ao alto o cume de duas ilhas, a mais pequena sem nome
e a outra um costume insistente chamou-lhe Agónida.
Continuando encontra-se o impressionante cabo Sagrado,
eriçado de penhascos e consagrado a Saturno;
o mar ferve agitado e a costa prossegue rochosa.
Aqui os seus habitantes possuem cabras hirsutas e abundantes bodes,
que continuadamente vagueiam pelo território coberto de vegetação rasteira;
e produzem umas cerdas muito grandes e resistentes
para utilização nas tendas dos acampamentos e nas velas e capotes dos marinheiros.
Daqui até ao rio diz-se que é um trajecto de um só dia;
também aqui se acha o limite dos Cinetas.

As fronteiras do país confinam com estes e o rio Tarteso banha a comarca.
Logo de seguida estende-se o maciço consagrado a Zéfiro,
por isso ao cume deste penhasco se chamou Zefíride.
Mas no que respeita aos seus altos picos, erguem-se no cimo da sua crista;
Uma grande mole empoleira-se no ar e na bruma, como que descansando por cima,
escondendo permanentemente o seu cume enevoado.

Toda a comarca que se segue é terreno completamente coberto por erva;
Aos seus habitantes oferece uma abóbada celeste nublada na sua parte mais alta,
o ar espesso, uma luminosidade diurna muito densa
e um orvalho abundante como o da noite. Nenhuma brisa,
como sempre, ousa entrar; nem um sopro de vento levanta a capa alta da atmosfera:
uma preguiçosa neblina deita-se sobre as terras e humedece amplamente o solo.
Se se desce com o barco o penhasco de Zéfiro e entra nos remoínhos do nosso mar 
é logo impulsionado pelos sopros do favónio.

De seguida, há novamente um promontório
e um opulento santuário consagrado à deusa infernal,
no fundo de uma gruta recôndita com uma entrada escondida.
Nas proximidades há uma grande lagoa, chamada Etrefia;
mais ainda, se diz que era algures por estas paragens a cidade de Herbo;
consumida pelas guerras, no final só deixou a este território a sua memória e o seu nome.

Entretanto, de seguida, corre o rio Ebro e o seu caudal fecunda os terrenos.
A maior parte dos autores referem que os iberos
se chamam assim precisamente devido ao rio,
mas não devido aquele rio que banha os revoltosos vascones.
Pois toda a zona desta povoação se encontra junto ao tal rio,
em direcção ao ocidente, situa-se a Ibéria.
Contudo a área oriental abarca os Tartessios e os Cilbicenos.

Depois encontra-se a ilha de Cartare e é uma tradição com bastante fundamento
a de que foi dominada primeiro pelos Cempsos; 
derrotados na guerra com os seus vizinhos,
dispersaram-se em busca de outros lugares.
Ergue-se de seguida  a mole do monte Casio
e a partir do seu nome a língua grega chamou primeiro casítero ao estanho.
Depois fica a proeminência de um santuário e, ao longe, 
a fortaleza de Geronte, que tem um antigo nome grego,
pois ouvimos dizer que em tempos idos a partir dela se deu o nome a Geríon.

Aqui se encontram as amplas costas do golfo atravessado
e desde o rio Ana, já nomeado,até estes territórios os barcos levam um dia de trajecto.
Aqui fica a cidadela de Gadir já que na língua dos cartagineses
se chamava Gadir a um lugar cercado.
Esta mesma cidade foi denominada primeiro Tartessos,
cidade importante e rica em tempos remotos;
agora pobre; agora diminuída; agora arruinada;
agora, enfim, um simples campo de ruínas.
Nós, nestas paragens, excepto as cerimónias em honta de Hércules,
não vimos nada digno de admiração.
Em troca, teve tal poderio, tal prestígio em épocas passadas,
a darmos crédito à história, que um rei orgulhoso e o mais poderoso
de todos os que naquela época tinha o povo Maurusio,
muito estimado pelo imperador Octaviano, Juba,
constantemente entregue ao estudo das letras e isolado pelo mar que ficava de premeio,
considerava-se muito distinguido com a honra do diunvirato na sua cidade.

Porém o rio Tartesso, fluindo desde o lago Ligustino,
atravessa o campo, envolve por completo uma ilha com o curso das suas águas.
Não corre por um canal único, nem é o único a sulcar o território por onde passa,
pois, de facto, na zona em que rompe a luz da manhã,
corre pelas campinas em três caudais; por duas vezes,
e também em dois locais, banha o sector meridional da cidade.

Por sua vez, o monte Argentário recorta-se sobre a laguna;
assim chamado na Antiguidade devido à sua beleza,
pois as suas encostas brilham devido à abundância de estanho
e, visto de longe irradia ainda mais luminosidade para o ar,
quando o sol fere com o fogo as alturas dos seus cumes.
Este mesmo rio, para além do mais, arrasta nas suas águas pesadas lascas de estanho
e transporta este apreciado mineral até à beira das muralhas.
A partir daqui uma extensa região afasta-se da planura das águas salgadas,
terra adentro; habita-a a raça dos Etmaneos.
E depois, por outro lado, até aos terrenos aráveis dos Cempsos,
espalham-se os Ileates sobre os terrenos férteis;
no entanto as zonas marítimas são controladas pelos Cilbicenos.

A cidadela de Geronte e o cabo do santuário, como antes explicámos,
estão separados pelo mar salgado; e entre altas falésias recorta-se uma enseada.
Junto do segundo maciço desemboca um rio caudaloso.
Logo se ergue o monte dos Tartésios, coberto de bosques.
Seguidamente encontra-se a ilha Eritía,de extensas campinas,
e em tempos idos, debaixo da jurisdição púnica;
Com efeito, foram colonos da antiga Cartago os primeiros que nela se estabeleceram.
Um estreito separa Eritía da cidadela do continente somente por cinco estádios.

Por onde se dá o ocaso do dia, há uma ilha consagrada a Vénus,
uma ermida em rocha viva e um oráculo.

Quando se vem daquele monte, como já te disse era notório pelos seus bosques,
encontra-se um litoral de areais em suave pendente,
nos quais os rios Besilo e Cilbo derramam as suas águas.

Depois, para poente, levanta os seus soberbos contornos o rochedo Sagrado.
A esta zona, em tempos passados, Grécia chamou-lhe Herma.
A palavra Herma refere-se a um parapeito de terreno,visto de frente,
e o lugar em si fortifica o estreito pelos dois lados.
Outros pelo contrário chamam-lhe o caminho de Hércules;
pois, de facto, se diz que Hércules acalmou os mares,
com o fim de deixar aberto um caminho fácil para o rebanho que tinha capturado.
Mas, a maioria dos autores afirma que aquela Herma
esteve primitivamente debaixo da jurisdição da terra líbia.
E não se deve desdenhar a informação de Dionísio,
que atesta e ensina que Tarteso é o fim da Líbia.

Em território da Europa levanta-se o promontório que,
já o assinalei, os seus habitantes chamam Sagrado.
Entre ambos os lugares flui uma ligeira linha de água,
à qual, em tempos, se chamou Herma o Caminho de Hércules.
Euctemón, habitante da cidade de Anfípolis,
afirma que se estende por uma longitude não superior
a cento e oito milhas e que ambas as posições distam três milhas.

Aqui encontram-se situadas as Colunas de Hércules,
sobre as quais lemos são consideradas como o extremo de um e outro continente.
Trata-se na realidade de dois rochedos semelhantes que sobressaem
Ábila e Calpe. Calpe encontra-se em território hispânico,
Ábila no dos maurusios, pois a raça púnica chama Ábila
ao que constitui um monte alto em língua bárbara, isto é,
em latim, como afirma o autor Plauto; e, por outro lado,
denomina-se Calpe, na Grécia, o que tem um aspecto desnudo,
como um pico arredondado.

Afirma também o ateniense Euctemón
que não existem ali penhas, nem se levantam cumes
em qualquer um daqueles dois locais;
recorda que entre as planícies da terra líbia e a costa da Europa
se encontram duas ilhas., diz que se lhes chama Colunas de Hércules;
refere que estão separadas trinta estádios;
que por todo o lado estão cobertas por bosques impressionantes
e que são sempre inóspitas para os marinheiros.
Assevera,de facto, que nelas existem templos e altares a Hércules,
que os navios estangeiros ali se dirigem para oferecer sacrifícios a este deus
e que se afastam apressadamente, pois é tido como ímpio
aquele que se demorar nestas ilhas. Informa que o mar se mantém
tanto nos arredores como nas zonas mais próximas
com pouquíssima profundidade numa ampla área;
que os navios não podem chegar carregados a estas paragens
devido ao pouco calado das águas e ao espesso lodo da costa.
Pelo que se alguém tem o firme propósito de se aproximar dali
pelo templo em si, então informa-nos de que deve virar
a proa em direcção à ilha da Lua, deixar aí a carga do barco
e, mesmo assim, aligeirada a embarcação, apenas consegue
arrastar-se pelas águas salgadas.

Pelo contrário, o troço de ondas agitadas que se estende entre as Colunas,
afirma Damasto que não chega a sete estádios. Escílax de Carianda
assegura que a corrente que existe entre as Colunas tem a mesma extensão
que as águas do Bósforo.

Mas para lá das tais Colunas, por parte da Europa,
os habitantes de Cartago tiveram antigamente
casarios e cidades, embora tivessem o seguinte costume:
a de construir barcos de fundo muito plano, de modo que o casco,
mais largo, pudesse deslizar pela superfície de um mar
de muito pouco calado.

Contudo Himilcón conta que desde estas Colunas
até à zona ocidental existe um abismo marítimo sem limites,
que o mar se estende ao longe, que se desliga de um mar salgado.
Ninguém se aventurou nestas águas, ninguém meteu as suas barcas
naquela estensão marítima, ou porque faltam em alto mar
os ares que as empurrem e nenhum sopro de ar ajuda o barco.
Depois a neblina cobre o céu como um manto e o nevoeiro
envolve sempre o abismo, persistindo o dia obscurecido
pelas nuvens.

Este é o Oceano que ruge em redor
da vasta extensão do mundo; este é o mar maior,
este é o abismo que circunda as costas,
este é aquele que rega o mar interior,
este é o pai do nosso mar. Contorna além disso
muitos golfos, penetrando com força profundamente
no nosso mundo, porém falaremos dos quatro maiores:

a primeira entrada deste mar na terra é o Golfo Hespérico
e o mar Atlântico, seguida da onda Hircana, o mar Caspio,
o mar Índico por detrás do golfo Pérsico e o abismo Arábigo,
já debaixo do cálido Noto. Noutro tempo um antigo uso
chamou-lhe Oceano, apelidando-o outro costume mar Atlântico;
o seu abismo abarca uma enorme extensão
e prolonga-se amplamente sem limite definido.
E geralmente o mar estende-se com tão pouca espessura
que apenas cobre as areias subjacentes.
Abundantes algas flutuam sobre o abismo
e este caldo impede a ondulação,
uma multidão de monstros nada por todo o lado
e um grande terror das feras enche os mares.
Himilcón o Cartaginês refere que noutro tempo
ele mesmo o viu e comprovou no Oceano.
Nós oferecemos-to, tomando-o
dos obscuros anais dos púnicos
que o transmitiram através dos séculos.
Agora já, volta a pena ao primeiro.

Assim, pois, como dizia,
em frente da coluna Libistida
se levanta outra no solo da Europa.
Por aqui o rio Criso desemboca no profundo abismo,
vivendo quatro povos numa e noutra parte dele,
já que se encontram neste lugar os ferozes Libifénices,
os Masienos, os reinos dos Cilbicenos
de férteis campos e os ricos Tartésios,
que se estendem até ao golfo Caláctico.
Junto a eles, além disso, fica logo o cabo Barbetio
e o rio Malaca, com a cidade do mesmo nome
chamada Méneca, há séculos. 

Debaixo do domínio dos Tartésios existe ali,
em frente à cidade uma ilha,
consagrada antes pelos habitantes a Noctiluca.
Na ilha há uma marisma e um porto seguro.
A cidade de Ménaca está acima.
Por onde a dita região se separa do mar,
levanta o monte Siluro o seu elevado cume.
Surge logo o vasto penhasco e entra no profundo mar.
O pinheiro, antes ali frequente,
fez com que fosse apelidado pela língua grega.
Até ao templo de Vénus e ao cabo de Vénus
estende-se um litoral. Além disso nesta costa
ergueram-se em outros tempos numerosas cidades,
debaixo de dominação fenícia.
Inóspitas areias estendem-se pela terra deserta;
privados de cultivo os campos definham e morrem.
Do referido cabo de Venus vê-se, ao longe, o Herma
da costa líbia, que antes mencionei.

Aqui se estende de novo um litoral vazio de habitantes 
e de solo abjecto, sendo  que antes se levantaram aqui
numerosas cidades e que muitos povos enchiam estes lugares.
O porto Namnatio, logo, curva-se perto da cidade dos Masienos
desde o alto mar, e no fundo do golfo, surge com as suas altas muralhas
a cidade dos Masienos. Depois sobressai o cabo Trete, estando junto
à pequena ilha de Strongile. Logo, nos confins desta ilha, estende
a sua grande superfície a imensa Marisma.
Ali arrasta-se o rio Teodoro (não te cause admiração que neste lugar
feroz e assaz bárbaro percebas o seu nome em voz grega).

Os fenícios habitaram primitivamente estes lugares.
Daqui de novo se estendem as areias do litoral e
esta costa é assinalada amplamente
por três grandes ilhas. Aqui ficava em outro tempo
o limite dos Tartésios. Aqui foi a cidade de Herna.
A tribo dos Gimnetas esteve nestes lugares até ao caudal
do rio Sicano, que junto a eles corre.
Agora, abandonado e necessitando de habitantes,
ouvindo-se apenas a si próprio, flui o rio Alebo.
Depois deste acha-se no meio das ondas a ilha Gimnesia.

Estendem-se logo as Ilhas Pitiusas e amplamente os dorsos das Baleares.
E, em frente, os Iberos até ao cabo Pireneo estenderam o seu domínio,
extensamente estabelecidos junto ao mar interior.
Surge a sua primeira cidade, Ilerda. O litoral estende depois areias estéreis.
Houve também aqui a cidade de Hemeroscopion, noutro tempo habitada,
agora já de solo vazio de habitantes, banhada pelo lânguido mar.
Ergue-se depois a cidade Sicana, assim chamada pelos Iberos
próxima do rio, e não longe da bifurcação deste rio
banha a cidade de Tiris o rio Tirio.

Mais para lá, onde a terra se afasta do mar,
estende-se uma vasta região com o seu dorso coberto de bosques.
Ali os Beribraces, tribo agreste e feroz,
vagueiam entre os rebanhos do seu numeroso gado.
Eles, alimentando-se pauperrimamente com leite e algum queijo,
revelam uma vida semelhante à das feras.
Depois eleva-se altaneiro o cabo de Crabrasia
e a despida costa  quase até aos confins da deserta Peninsula.
Por ali se estende a marisma dos Nacararas, pois tal nome
deu o costume a esta marisma, surgindo no meio dela uma pequena ilha,
fértil em oliveiras e por isso consagrada a Minerva.

Perto houve numerosas cidades, já que estiveram aqui
Hilactes, Histra, Sarna e a nobre Tiricas.
Antigo é o nome da cidade e as riquezas dos seus habitantes,
celebérrimas através das costas da Orbe.
Pois além da fertilidade da terra (já que o solo lhe proporciona o gado
a vide e os dourados presentes de Ceres) produtos estrangeiros
são transportados pelo rio Ibero. Perto ergue a sua soberba cabeça
o Monte Sagrado e atravessando os campos próximos
flui o rio Oleo entre as encostas de dois montes.
E em seguida o monte Sello (este é o nome antigo do monte)
eleva-se até às alturas das nuvens. Ficava junto dele
a cidade de Lebedoncia em tempo anterior,
agora um campo vazio de lares que cria
esconderijos e covis de feras.

Depois numa grande extensão jazem areias,
entre as quais esteve noutro tempo a cidade de Salauris
e onde primitivamente esteve também a antiga Calípolis,
aquela Calipolis que pela elevada altura das suas muralhas
e pelos excelsos telhados subiu pelos ares,
que com o âmbito do seu vasto solar,
tocava por ambos os lados uma marisma sempre fértil em peixes.
Depois a cidade de Tarraco e a sede amena das ricas Barcelonas;
pois ali estende um porto os seus braços protectores,
humedecendo sempre a terra com águas doces.
Vêm logo os ásperos Indigetas: gente dura, gente feroz na caça
e que habita em esconderijos.

O cabo Celebántico estende logo o seu dorso no mar salgado.
Que tenha estado junto dele a cidade de Cipsela é já apenas um rumor,
pois nenhum vestígio da antiga urbe é conservado pelo solo áspero.
Abre-se ali um porto num grande golfo e em grande extensão
penetra o mar na côncava terra, depois da qual se estende o litoral Indicetico
até ao vértice do cabo Pirineo. Depois daquele litoral, que já referimos
se encontra indolente desde há muito, levanta-se o cabo Malodes,
e surgem entre as ondas dois escolhos, dirigindo-se
em direcção às nuvens ultrapassando-as em dobro.
Entre estes, além disso, estende-se um extenso porto,
não estando exposto o mar a nenhum vento.
Assim o cume dos penhascos amparam em grande extensão
toda a costa com rochas colocadas diante e entre as penhas
esconde-se um abismo imóvel; o mar repousa
e o e o oceano fechado permanece quieto.

Depois a marisma de Tonon na base dos montes
e o cabo da rocha Tononita levanta-se por onde
o sonoro rio Anisto revolve a sua água espumosa,
cortando o mar com a sua corrente.
Tais coisas encontram-se junto das ondas e das paragens marítimas;
mas o terreno que antecede desde o mar alto
foi possuído antes pelos Ceretas e pelos duros Ausoceretas;
agora com este mesmo nome são uma tribo dos Iberos.
Logo, finalmente, o povo Sordo habitava lugares inacessíveis
e extendendo-se até ao mar interno, habitavam entre
esconderijos de feras por onde se levantam
os cumes do Pirineo, cobertos de pinheiros cingindo
os campos e o abismo do mar numa grande extensão.

Nos confins da terra sordicena conta-se que esteve
em outros tempos Pirene cidade de rico solar, pois
frequentavam-na regularmente os Massaliotas devido aos seus negócios.
E desde as colunas de Hércules, assim como do mar Atlântico
e do confim da costa Cefirida até Pirene é uma viagem de sete dias
para um navio veloz. Depois do cabo Pirineo estendem-se as areias
do litotal Cinético, que extensamente é sulcado pelo rio Róscino.
Este solo, como dissemos, é o da terra Sordicena.
Aqui, além disso estende-se amplamente uma marisma
e um pântano, a que chamam os habitantes Sordiceno.
E para além das ruidosas águas do vasto abismo
(já que devido à vasta extensão da sua costa é excitada
com frequência pelos ventos destruidores) da própria marisma
flui o rio Sordo. Desde as entradas deste rio .............................
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(depois no litoral) está formado um golfo pelo mar 
e o solo


                                 (continua...)