CHOVE!
Chove...
Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?
Chove...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.
José Gomes Ferreira
Sonho
Sonhei que me afundava nos braços da morte...
Não sei quanto tempo durou a quietude...
Mas sei que este foi o único sonho bom que tive até hoje,
Desde o dia em que soube que os sonhos tinham acabado...
Não sei quanto tempo durou a quietude...
Mas sei que este foi o único sonho bom que tive até hoje,
Desde o dia em que soube que os sonhos tinham acabado...
quarta-feira, 23 de março de 2011
Um poeta atormentado...
A um poeta
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,
Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afuguentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!
Antero de Quental
Florbela...
Lágrimas ocultas
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Florbela Espanca
Primavera e um poeta transmontano no centro de Coimbra...
Súplica
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Porque começou a Primavera e é tempo de poesia...

As mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre, O Canto e as Armas, 1967
quarta-feira, 16 de março de 2011
Da minha janela...
Desenhado por Ana Marcelino |
Mas, vem isto a propósito de me terem solicitado, num exercício da formação que estou a frequentar, que exercitasse o que se chama "elevator speech" ( que consiste, mais ou menos, em fazer passar uma mensagem no menor tempo possível - 30 a 60 segundos). O tema era livre e, perante um público quase todo urbano, achei pertinente "mostrar a minha escola rural" sem recurso a imagens, apenas recorrendo à palavra, no tempo cronometrado (60 segundos).
Demorei 60 segundos certinhos e, basicamente, disse:
Da janela do meu gabinete vejo crianças em vez do Tejo, ouço risos em vez do barulho dos carros e sirenes e, na maior parte do tempo, um imenso recreio vazio em resultado duma coisa que se chama "plano de ocupação"...
O amarelo torrado das paredes contrasta com o verde dos pinheiros que circundam um "quase hectare" de um jardim bem cuidado, onde saltitam pássaros quando não o fazem as crianças... à tardinha um grupo de perdizes costuma vir procurar as migalhas caídas dos lanches comidos à pressa no intervalo...
Para lá dos pinheiros vislumbra-se o fumo das lareiras das casas antigas da aldeia e o cinzento esverdeado do granito...
A rua da frente, cada vez mais deserta, viu as pedras puídas da velha calçada, cobertas por uma camada de incaracterístico asfalto... Modernidade, evolução, comodidade... falta a criatividade e a humanidade na encosta da serra já dominada pelos mercados e pelo mundo virtual...
Aproveitar o verde dos arredores, o cheiro da terra molhada pelo orvalho, a visita dos pássaros, as rugas e a sabedoria dos mais velhos e trazê-los cá para dentro. Escancarar as nossas portas para que eles possam entrar e estar à vontade e para que nós possamos saír de dentro das quatro paredes onde teimamos em enfiarmo-nos como se ali guardássemos todo o saber que existe... Saír e olhar para o céu que, da janela do meu gabinete, é muito mais azul do que o de Lisboa e dizer às "nossas" crianças que com trabalho, tranquilidade, perseverança e esperança o céu é o verdadceiro limite...
terça-feira, 8 de março de 2011
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